sábado, 7 de fevereiro de 2009

Anarquia em Quadrinhos

Após a tempestade das eleições, Obama sendo mais pop que o papa, uma crise punk e trechos new age, em um volume decadente, da preocupação sócio-ambiental, temas rasteiros voltam a surgir. Aproveitando o ano que as HQs poderão aumentar sua valorização cultural, devido a adaptação (apesar do repúdio a adaptações de seu criador principal, o roteirista Alan Moore) para o cinema da única obra do gênero que ganhou um Hugo, prêmio de Literatura mundialmente famoso, e outros prêmios específicos, como Kirby e Eisner, deixando uma bela cicatriz na mentalidade psico-social interna/externa da nona arte. Assim, descontstruindo idéias, surge um tema: Anarquia (o importante aqui é que para compreender a fundo a teoria aqui destilada é preciso deixar de lado, mesmo que por um momento, crenças e preconceitos pessoais).

Para entender a base disto, precisamos analisar um pouco outros "ismos". No comunismo ou Marxismo, de Karl Marx e seus seguidores (Leninismo, Trotskismo, Luxemburguismo), o poder dos meios de produção seriam passados para o proletariado, ou seja, para a classe de trabalhadores. Porém haveria uma transição do capitalismo para comunismo, criando uma etapa da ditadura do proletariado, o socialismo, onde o Estado seria tomado e dirigido por estes, até se equilibrar para, no final, extinguir esse Estado e classes sociais. Assim, apesar da teoria, a prática é extremamente repressora, como os exemplos até hoje vivenciados, se auto-contrariando com uma forma de poder ainda existente.

O capitalismo ainda sobrevive, de forma que não nasceu da teoria e sim de uma prática histórica, darwiniana antes de Darwin, de sobrevivência dos mais fortes e da hierarquia destes. Apesar disso acaba sendo (auto)conservador com seu Estado, controlando a sociedade pelos seus três porquinhos, poderes: executivo, legislativo e judiciário. Porém quando o guia desta cadeia alimentar (como os EUA) abala o seu nicho, todo o habitat se desestabiliza, como um castelo de cartas ou um daqueles jogos em qua você monta uma torre com retangulos compridos de madeira e vai tirando um.


No anarquismo este estado seria destruido de primeira, de forma que niguém dite as regras, influenciando-as a surgirem naturalmente, como um quebra-cabeça complexo, porém, com cada peça em seu devido lugar. A grande aldeia global, proposta por McLuhan, já prevê uma certa anarquia. Sem o controle da informação, o acesso curtural aberto a todos, como uma teia de aranha, o que a web está proporcionando, constelações. Seria a solução de todos problemas políticos (sociais, econômicos e educacionais), onde decisões coletivas seriam incentivadas pelas suas reais importâncias e não pela fé cega em promessas.


Se pensarmos em religião, percebemos que o monoteísmo ou o cristianismo também atende, propositalmente ou não, ao capitalismo, de forma a criar essa hierarquia, obiência ditatorial imposta pelas cruzadas e dogmas. A idéia não é criticar a existência ou não de Deus, mas sim esse simplicismo histórico de um panteão de Deuses em um único, onde diminui-se a intimidade com a divindade reduzindo-a e confiando-a a uma pessoa que não tem uma relação Xamânica ou sobrenatural com esta.


Antes de entrar aos quadrinhos, idéia proposta pelo título, algumas frases de Mikhail Bakunin, um dos teóricos anarquistas:

"Se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de servir à liberdade humana: seria o de cessar de existir"
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"A paixão pela destruição é uma paixão criativa".

"A liberdade do outro estende a minha ao infinito"
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"É melhor a ausência de luz do que uma luz trêmula e incerta, servindo apenas para extraviar aqueles que a seguem".

Para ilustrar tudo isso, fechar o ciclo, duas notáveis obras dos quadrinhos, que, apesar de terem sido "seladas" com o gênero de ficção, espressam muito em suas entre-linhas: V de Vingança e Os Invisíveis.


V for Vendetta, ou V de Vingança, é situado num passado futurista (uma espécie de passado alternativo), numa realidade em que um partido de cunho totalitário ascende ao poder após uma guerra nuclear. A semelhança com o regime Nazista é inevitável devido ao fato do governo ter o controle sobre a mídia, a existência de uma polícia secreta, campos de concentração para minorias raciais e sexuais, muito perto do que pensou Hannah Arendt no seu livro "Origens do totalitarismo" de 1951. Existe também um sistema de monitoramento feito por câmeras nos moldes de "1984", de George Orwell, escrito em 1948. (Na época, o CCTV ainda não existia tal como o é hoje na Inglaterra quando a obra foi escrita).


Apesar do sistema Totalitário ser definido por vários autores, como Hannah Arendt pensou. A história em quadrinho obra foi escrita num momento histórico que a Inglaterra, estava implementando o sistema Capitalista Neoliberal com a primeira ministra Margaret Thatcher. Ao mesmo tempo o "Socialismo Real" da extinta U.R.S.S. (atual Rússia), estava em total descredito devido aos horrores do Stalinismo.

O que abre a perspectiva para "V", (codi)nome do protagnista, ter uma postura anarquista, pois como definiu tanto Enrico Malatesta no seu livro "Escritos revolucionários" e outros anarquistas, como o já visto Mikhail Bakunin, Pierre Joseph Proudhon, Max Stirner, Emma Goldman, Piotr Kropotkin e Henry David Thoreau; o Estado é limitador da Liberdade, sendo assim todo Estado passa a ser Totalitário. Vale lembrar que a obra foi escrita entre 1982-1988, o que fez dela mais genial que o filme-adaptação, quando algumas idéias já estavam desgastadas por ter sido lançado em 2006.


Definir Os Invisíveis, de Grant Morrison, seria um pouco complicado. Eles, uma antiga sociedade secreta de anarquistas terroristas em busca da evolução da humanidade, estão por aí, invisíveis para todos aqueles que não querem ver, participando de uma longa e secreta guerra contra a opressão, não só física quanto mental. Você vai ver cabeças proféticas decepadas, a vida através dos olhos de pombos, conversas entre deuses mortos e deuses inventados, granadas, perversão sexual e a mais pura violência.

Os integrantes dos Invisíveis são tão realistas quanto abstratos, como um hooligan com poderes psíquicos, uma policial nova-iorquina, um telepata vindo do futuro, um anarquista capaz de projetar-se no espaço e tempo e um poderoso xamã travesti (ou hermafrodita: ninguém ainda sabe) vindo do Rio de Janeiro.


Quem acreditou que Matrix é revolucionário por ser original, enganou-se. Matrix é, talvez, um dos maiores Milk-Shakes cinematográficos da história do cinema: desenhos japoneses, quadrinhos americanos, filosofia, artes-marciais já existiam em Os Invisíveis. Mas, nesta série, os verdadeiros ingredientes para esta salada-mista são as ordens templárias, a Teoria do Caos, maçonaria, psicologia, seitas místicas e tudo o que você pode pensar que jamais existiu de lunático na Terra.

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