quarta-feira, 15 de abril de 2009

Foucault

Depois das análises de Michel Foucault, a escola nunca mais foi a mesma. A partir da história genealógica, a educação na sua modalidade escolarizada passou a ser considerada maquinaria destinada a disciplinar corpos em ação. Em Vigiar e punir, Foucault descreveu vários processos de disciplinarização dos corpos em diferentes instituições, como colégios, fábricas, oficinas, conventos e quartéis, demonstrando que a principal característica de tais instituições é a disciplina corporal. Dentre todas as instituições disciplinares, a escola possui a maior abrangência, pois é nela que os indivíduos passam a maior parte da sua formação, até que estejam prontos para a vida adulta. Por sua vez, a disciplina no interior da instituição educacional não se restringe ao corpo, pois ali também ocorre a submissão dos conhecimentos à disciplina institucional, isto é, a escolarização dos saberes. Ela consistiu numa operação histórica de organização, classificação, depuração e censura dos conhecimentos, de modo que a operação moralizadora não atingiu só os corpos, mas também os próprios conhecimentos a serem ensinados. A escola disciplinar não distingue entre corpo e conhecimento, praticando a moralização de ambos na medida em que seu objetivo é a produção do sujeito sujeitado.
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O processo de disciplinarização dos corpos de crianças e jovens se encontra no centro das preocupações de Vigiar e punir. Ela ocorreu em locais arquitetonicamente preparados para aquele fim, isto é, locais cercados, quadriculados, com uma disposição espacial estudada e um mobiliário especialmente desenhado, sem falar na presença de especialistas preparados para a aplicação de exercícios para a mente e para o corpo. O nascimento da chamada escola disciplinar se deu em um período de intensas modificações nas estruturas de poder, as quais deram origem ao aparato social e político que Foucault denominou "sociedade disciplinar". Em uma palavra, a genealogia foucaultiana nos ofereceu um importante modelo teórico para entender o surgimento não apenas da escola moderna, mas também da prisão, do hospital, do hospital psiquiátrico e da fábrica, instituições por excelência da modernidade.
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Em um conjunto de conferências proferidas no Rio de Janeiro em 1973, posteriormente publicadas com o título de As verdades e as formas jurídicas, Foucault empreendeu uma abordagem muito particular sobre o poder, tema sobre o qual vinha desenvolvendo investigações desde sua aula inaugural no Collège de France, em 1970. Nestas conferências, Foucault demonstrou as transformações das relações de poder que deram origem a um tipo que se desenvolveu a partir do século 18, o poder disciplinar. Para Foucault, o poder disciplinar é fruto de transformações da sociedade europeia, mais precisamente, do deslocamento de um poder que estava concentrado nas mãos do Rei, para um corpo burocrático e institucional disseminado ao longo do tecido social. Segundo o autor, a partir de então, o poder se exerceria, preferencialmente, de maneira mais fluida, na forma de micropoderes ou de uma micropolítica. O poder disciplinar se exerce sobre os corpos individuais por meio de exercícios especialmente desenhados para a ampliação de suas forças. A despeito dos exercícios de adestramento dos corpos ocorrerem em espaços isolados e de maneira desordenada, gradativamente surgiu o conjunto das instituições disciplinares, cuja função foi a produção de corpos úteis e dóceis.
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Normal e anormal
O processo de disciplinarização corresponde aos mecanismos de normatização, isto é, aos processos de nominação e separação entre o indivíduo 'normal' e o 'anormal'. Esse processo de separação é fundamental em se tratando da produção do sujeito moderno, o sujeito normalizado. Todos os procedimentos disciplinares presentes no interior da instituição escolar, da arquitetura aos cadernos de classe, dos exercícios físicos aos exames, concorrem para a produção do sujeito normalizado. Para Foucault, a instituição escolar foi o lugar privilegiado das medidas higiênicas e alimentares destinadas a garantir a saúde física e moral de jovens e crianças. Instituição disciplinar, a escola se constituiu como local privilegiado da realização exaustiva de exercícios, exames, punições e recompensas centradas no corpo infantil.

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As leis de obrigatoriedade escolar na Europa das últimas décadas do século 18 e primeiras do 19 tinham como objetivo capturar as crianças das ruas e colocá-las em um ambiente cerrado, aplicando-lhes exercícios disciplinares que visavam governar seus corpos e almas. A contrapartida dessa ação foi a imediata definição das crianças que escapavam àquela rede como potenciais causadoras da desordem social. Assim se estabeleceu por completo a configuração da escola primária como a forma de captura e governo da infância, a qual, por sua vez, repartia a infância entre normal e anormal, na justa medida em que os corpos e almas das crianças eram capturados e governados no interior das redes de escolarização ou dela escapavam.
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A educação, ao se transformar em uma forma de razão de Estado, acabou por configurar o Estado como um ente educador. A aliança entre Estado, pedagogia e medicina colocou todos os aspectos da vida das crianças em evidência no interior da escola e suas mínimas manifestações foram cuidadosamente escrutinadas: além das aulas, as brincadeiras de pátio, a merenda, as vacinas, os exercícios físicos, a higiene corporal, tudo foi tomado como campo de intervenção e produção de verdades sobre a infância, formando-se um sistema disciplinar no qual os exames corporais compuseram medidas centrais no processo de educação escolarizada. No contexto disciplinar, a higiene e a saúde destinavam-se à construção de uma população saudável; o civismo, à formação de uma população amante dos valores nacionais; ao passo em que o letramento destinava-se à produção de uma população de trabalhadores esclarecidos. Assim se configuraram os valores absolutos de todos os projetos nacionais de educação, os quais tomaram a infância como objeto de suas práticas de conformação visando à produção de uma população adulta viável, previamente preparada para as formas de governamento centradas na gestão do trabalho, da família e da saúde.
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Fim da disciplina na escola?
Quando hoje se acena para o fim dos sujeitos escolares, isto é, para o fim da infância e para a morte da adolescência, o foco do argumento é que as práticas e os discursos que constituíram tais sujeitos no âmbito dos processos da escolarização disciplinadora da modernidade entraram em crise e deixaram de produzir tais sujeitos. O próprio Foucault já observara os limites históricos da sociedade disciplinar nos últimos anos da década de 1970. Os próprios conceitos de biopolítica e de governamentalidade neoliberal, fruto de suas pesquisas no final da década de setenta, já apontavam que as transformações pelas quais o Estado começava a passar em função da crescente autonomização do mercado econômico acabariam por levar à produção de novos sujeitos.
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Seguindo as pegadas de Foucault, Gilles Deleuze compreendeu a crise da sociedade disciplinar como uma crise dos modos de confinamento centrados na prisão, no hospital, na fábrica, na escola e na família. Para Deleuze, se os confinamentos da disciplina eram moldes produtores de subjetividades, os novos controles são uma modulação, isto é, uma moldagem que pode ser transformada continuamente de maneira a produzir a subjetividade flexível como chave do controle. As antigas instituições se transformaram em empresas, modificando a gramática que havia sido produzida pela velha sintaxe disciplinar.
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A passagem da sociedade disciplinar para a sociedade de controle permite entender as mudanças pelas quais a instituição escolar vem passando desde a última década a fim de tornar-se a instância de produção do novo sujeito moral, o sujeito flexível, tolerante e supostamente autônomo, requerido pelas novas modulações do controle que gravitam entre o Estado e o mercado neoliberal. Nesse processo, tornaram-se decisivas novas tecnologias informacionais, nutricionais, educativas e físicas, as quais se destinam a ampliar as capacidades corporais e cognitivas dos indivíduos, que devem se tornar empreendedores de si mesmos. Como nos mostram as análises de Nascimento da biopolítica, de 1979, o novo sujeito que está a ponto de substituir o sujeito disciplinado da modernidade será o produto de novas técnicas de controle e governamento neoliberal. Trata-se agora de produzir um sujeito capaz de responder às demandas flexíveis do mercado, objetivo que orienta obsessivamente os investimentos familiares e as intervenções governamentais do Estado sobre o campo da saúde e do corpo das populações, todas elas visando fomentar a atitude autoempreendedora capaz de produzir o "capital humano" exigido pelos tempos que correm.
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Fonte: Revista Cult

quinta-feira, 26 de março de 2009

O Grande Inquisidor - Dostoiévski











"As coisas mudam de nome, mas continuam sendo religiões!" (Humberto Gesinger)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Anarquia em Quadrinhos

Após a tempestade das eleições, Obama sendo mais pop que o papa, uma crise punk e trechos new age, em um volume decadente, da preocupação sócio-ambiental, temas rasteiros voltam a surgir. Aproveitando o ano que as HQs poderão aumentar sua valorização cultural, devido a adaptação (apesar do repúdio a adaptações de seu criador principal, o roteirista Alan Moore) para o cinema da única obra do gênero que ganhou um Hugo, prêmio de Literatura mundialmente famoso, e outros prêmios específicos, como Kirby e Eisner, deixando uma bela cicatriz na mentalidade psico-social interna/externa da nona arte. Assim, descontstruindo idéias, surge um tema: Anarquia (o importante aqui é que para compreender a fundo a teoria aqui destilada é preciso deixar de lado, mesmo que por um momento, crenças e preconceitos pessoais).

Para entender a base disto, precisamos analisar um pouco outros "ismos". No comunismo ou Marxismo, de Karl Marx e seus seguidores (Leninismo, Trotskismo, Luxemburguismo), o poder dos meios de produção seriam passados para o proletariado, ou seja, para a classe de trabalhadores. Porém haveria uma transição do capitalismo para comunismo, criando uma etapa da ditadura do proletariado, o socialismo, onde o Estado seria tomado e dirigido por estes, até se equilibrar para, no final, extinguir esse Estado e classes sociais. Assim, apesar da teoria, a prática é extremamente repressora, como os exemplos até hoje vivenciados, se auto-contrariando com uma forma de poder ainda existente.

O capitalismo ainda sobrevive, de forma que não nasceu da teoria e sim de uma prática histórica, darwiniana antes de Darwin, de sobrevivência dos mais fortes e da hierarquia destes. Apesar disso acaba sendo (auto)conservador com seu Estado, controlando a sociedade pelos seus três porquinhos, poderes: executivo, legislativo e judiciário. Porém quando o guia desta cadeia alimentar (como os EUA) abala o seu nicho, todo o habitat se desestabiliza, como um castelo de cartas ou um daqueles jogos em qua você monta uma torre com retangulos compridos de madeira e vai tirando um.


No anarquismo este estado seria destruido de primeira, de forma que niguém dite as regras, influenciando-as a surgirem naturalmente, como um quebra-cabeça complexo, porém, com cada peça em seu devido lugar. A grande aldeia global, proposta por McLuhan, já prevê uma certa anarquia. Sem o controle da informação, o acesso curtural aberto a todos, como uma teia de aranha, o que a web está proporcionando, constelações. Seria a solução de todos problemas políticos (sociais, econômicos e educacionais), onde decisões coletivas seriam incentivadas pelas suas reais importâncias e não pela fé cega em promessas.


Se pensarmos em religião, percebemos que o monoteísmo ou o cristianismo também atende, propositalmente ou não, ao capitalismo, de forma a criar essa hierarquia, obiência ditatorial imposta pelas cruzadas e dogmas. A idéia não é criticar a existência ou não de Deus, mas sim esse simplicismo histórico de um panteão de Deuses em um único, onde diminui-se a intimidade com a divindade reduzindo-a e confiando-a a uma pessoa que não tem uma relação Xamânica ou sobrenatural com esta.


Antes de entrar aos quadrinhos, idéia proposta pelo título, algumas frases de Mikhail Bakunin, um dos teóricos anarquistas:

"Se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de servir à liberdade humana: seria o de cessar de existir"
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"A paixão pela destruição é uma paixão criativa".

"A liberdade do outro estende a minha ao infinito"
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"É melhor a ausência de luz do que uma luz trêmula e incerta, servindo apenas para extraviar aqueles que a seguem".

Para ilustrar tudo isso, fechar o ciclo, duas notáveis obras dos quadrinhos, que, apesar de terem sido "seladas" com o gênero de ficção, espressam muito em suas entre-linhas: V de Vingança e Os Invisíveis.


V for Vendetta, ou V de Vingança, é situado num passado futurista (uma espécie de passado alternativo), numa realidade em que um partido de cunho totalitário ascende ao poder após uma guerra nuclear. A semelhança com o regime Nazista é inevitável devido ao fato do governo ter o controle sobre a mídia, a existência de uma polícia secreta, campos de concentração para minorias raciais e sexuais, muito perto do que pensou Hannah Arendt no seu livro "Origens do totalitarismo" de 1951. Existe também um sistema de monitoramento feito por câmeras nos moldes de "1984", de George Orwell, escrito em 1948. (Na época, o CCTV ainda não existia tal como o é hoje na Inglaterra quando a obra foi escrita).


Apesar do sistema Totalitário ser definido por vários autores, como Hannah Arendt pensou. A história em quadrinho obra foi escrita num momento histórico que a Inglaterra, estava implementando o sistema Capitalista Neoliberal com a primeira ministra Margaret Thatcher. Ao mesmo tempo o "Socialismo Real" da extinta U.R.S.S. (atual Rússia), estava em total descredito devido aos horrores do Stalinismo.

O que abre a perspectiva para "V", (codi)nome do protagnista, ter uma postura anarquista, pois como definiu tanto Enrico Malatesta no seu livro "Escritos revolucionários" e outros anarquistas, como o já visto Mikhail Bakunin, Pierre Joseph Proudhon, Max Stirner, Emma Goldman, Piotr Kropotkin e Henry David Thoreau; o Estado é limitador da Liberdade, sendo assim todo Estado passa a ser Totalitário. Vale lembrar que a obra foi escrita entre 1982-1988, o que fez dela mais genial que o filme-adaptação, quando algumas idéias já estavam desgastadas por ter sido lançado em 2006.


Definir Os Invisíveis, de Grant Morrison, seria um pouco complicado. Eles, uma antiga sociedade secreta de anarquistas terroristas em busca da evolução da humanidade, estão por aí, invisíveis para todos aqueles que não querem ver, participando de uma longa e secreta guerra contra a opressão, não só física quanto mental. Você vai ver cabeças proféticas decepadas, a vida através dos olhos de pombos, conversas entre deuses mortos e deuses inventados, granadas, perversão sexual e a mais pura violência.

Os integrantes dos Invisíveis são tão realistas quanto abstratos, como um hooligan com poderes psíquicos, uma policial nova-iorquina, um telepata vindo do futuro, um anarquista capaz de projetar-se no espaço e tempo e um poderoso xamã travesti (ou hermafrodita: ninguém ainda sabe) vindo do Rio de Janeiro.


Quem acreditou que Matrix é revolucionário por ser original, enganou-se. Matrix é, talvez, um dos maiores Milk-Shakes cinematográficos da história do cinema: desenhos japoneses, quadrinhos americanos, filosofia, artes-marciais já existiam em Os Invisíveis. Mas, nesta série, os verdadeiros ingredientes para esta salada-mista são as ordens templárias, a Teoria do Caos, maçonaria, psicologia, seitas místicas e tudo o que você pode pensar que jamais existiu de lunático na Terra.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Caos

Vácuo.Dormindo acordado. Enquanto seus lábios esticam uma felicidade insana, os olhos mostram a tristeza morbida. Lembrando do nada e esquecendo do tudo. Blackout. Crises existencias e mundiais. Religiosidade e também ateísmo, atravessando a ponte para o super-homem quando ela se rompe. Abismo. Queda ou escalada? Orgasmo e dor. Informações se multiplicando a cada segundo, toda a história da humanidade neste pequeno espaço-tempo, se apresentando em diversas dimensões, possibilidades nulas. Reduzindo Deuses em um, até se dividir novamente, estourar, como um coquetel molotov em chamas quando cai... Tremor. Fraqueza e força. Qual é o certo, qual é errado? Ética. Cidadania. Socialismo, comunismo, fascismo e anarquismo. Ismos. Ecos e silêncio. Odiando o amor e amando o ódio. Para onde? Para que lado? Ar? Pulmões fazendo a digestão de fumaça de cigarro e estômagos cheirando, aspirando, comida. Sangue escorrendo muco nazal. Coração jorrando gordura. Enxergando sons, ouvindo cores, apalpando aromas. Tudo. Nada. Ar? Vácuo interno puxando restos de solidez em algo insólido, oco e opaco, contrações descontraídas, partidos (re)partidos, restos de uma refeição desfeita, jato, espirro e respingos: vômito! Amarelo azedo, ácido, corroendo sanidades. Esvaziar o copo para enchê-lo novamente. Morrer para poder nascer. Destruição reconstrutiva. Folha, reciclada, em branco. Mais uma dose de informação, senhor?!

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Tas na Zona Eleitoral (Episódio 1 e 2)!

Série "Tas na Zona Eleitoral" 2008 produzida por Marcelo Tas para o UOL
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No Próximo Episódio:

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Folha Explica: O Marketing Eleitoral

No livro "O Marketing Eleitoral" o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, mestre em comunicação pela Michigan State University (EUA), livre-docente pela ECA-USP, ex-correspondente da Folha em Washington e atual ombudsman do jornal, diz que, depois de colher informações sobre o assunto desde 1975, o marketing eleitoral no Brasil é, no que se refere às técnicas que emprega, um dos mais avançados do mundo. Mas Silva defende a tese de que o marketing eleitoral não é fundamental nem prioritário na decisão do eleitor pelo seu candidato. O capítulo de introdução do livro pode ser lido abaixo.
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INTRODUÇÃO
Nos 17 anos que se seguiram à primeira eleição de governadores de estado pelo sufrágio universal após o golpe militar de 1964, a importância atribuída pela opinião pública ao que se convencionou chamar de 'marketing político' só cresceu no Brasil.
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Entre 1965 (quando a vitória da oposição ao novo regime na Guanabara e em Minas Gerais, dois num total de 11 estados, justificou o fim das eleições diretas para governos estaduais por quase duas décadas) e 1982, os principais cargos eletivos do Poder Executivo (presidente da República, governadores de estado e prefeitos de capitais e cidades de áreas de 'segurança nacional') foram preenchidos por nomeação militar referendada por colégios eleitorais sem representatividade nem legitimidade; nos pleitos para vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores, as restrições impostas ao livre acesso do candidato a seus eleitores via meios de comunicação eram tamanhas que não se podia falar de algo remotamente similar a marketing político no sentido atual.
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Antes do movimento que depôs o presidente João Goulart, os meios de comunicação de massa --em especial a televisão-- ainda não tinham atingido universalmente o país como aconteceria dos anos 1970 em diante, circunstância que também impedia chamar de marketing político as atividades então exercidas para atrair eleitores, ao menos do modo que o conceito é atualmente entendido.
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Como será visto adiante, isso não significa que até 1982 não se tivessem feito no Brasil esforços conscientes para influenciar a opinião pública em favor de pessoas, idéias ou organizações atuantes na vida política - uma das definições possíveis de marketing político, que ocorria por meios diferentes dos atuais, não tinha a denominação de agora nem merecia tanta proeminência como atualmente. Mas existia.
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O objetivo deste trabalho é rever a literatura disponível sobre o assunto, discutir o conceito e os modos de que ele vem sendo empregado, em especial no Brasil, descrever a evolução histórica das atividades que o definem e desafiar crenças correntes, como a de que a sua prática faz da democracia representativa uma farsa ou a de que o especialista em marketing é capaz de 'fazer e desfazer' uma eleição. Na conclusão, o autor se permite expressar algumas opiniões individuais, fundamentadas nas evidências expostas.
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As convicções sobre o poder incomensurável do marketing estão de tal forma disseminadas que influentes jornalistas chegam a sugerir --com sarcasmo, mas também um quê de seriedade-- o lançamento de candidaturas de especialistas em comunicação para funções públicas: 'chega de intermediários, um marqueteiro no Planalto'.1
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Não que o marketing político seja irrelevante. Se, por estimativas conservadoras, o processo eleitoral consome, num ano como o de 2002 (em que presidente, governadores e integrantes do Congresso e das Assembléias Legislativas são escolhidos), quantias que vão de 0,5% a 1% do PIB, e se a quase totalidade desse dinheiro é gasta em atividades de marketing, é porque elas devem ter algum papel na definição dos resultados.
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Mas também é provável que no Brasil se esteja dando a elas mais importância do que mereçam. É do interesse do próprio profissional da área supervalorizar sua capacidade de definir o resultado das urnas. Embora muitos marqueteiros neguem, em público, a condição de magos que lhes vem sendo conferida, é evidente que ela beneficia seus negócios. Também é do interesse do eleitor atribuir a outrem a responsabilidade por eventuais erros de decisão, quando um eleito se revela, no poder, incompetente ou corrupto. Portanto, atribuir ao marketing político mais influência do que tem é conveniente tanto para o marqueteiro (que assim valoriza o seu trabalho) quanto para o cidadão (que assim tem à mão um convincente bode expiatório sempre que a ocasião o exija).
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O cientista político David Samuels, da Universidade de Minnesota, concluiu em estudo ainda inédito que a campanha para eleger um presidente brasileiro --em números absolutos-- custa mais do que a de um presidente americano. Por exemplo, Fernando Henrique Cardoso gastou em 1994 US$ 41 milhões, e Bill Clinton em 1992, US$ 43 milhões (mas no Brasil o principal item de custos da campanha americana - compra de espaço publicitário em rádio e TV - é gratuito; portanto, FHC gastou bem mais do que Clinton).2 É bastante possível que nos EUA, onde o marketing político tem muito mais tradição e é muito mais estudado do que aqui, e onde o princípio cultural de conhecer bem a relação custo/benefício e obedecê-la antes de fazer investimento é quase axiomática, as verbas com marketing sejam gastas com mais discernimento do que no Brasil.
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No entanto, as largas quantias despendidas nessas atividades em qualquer país onde se realizam eleições são indicativas de um grande poder, pelo menos presumido. Ninguém em sã consciência rasga dinheiro. As hipóteses que aqui se pretende demonstrar como corretas são que esse poder do marketing político não é tão absoluto como muitos supõem, que seu efeito corruptor no processo eleitoral não é necessariamente maior nem pior do que o de outras práticas realizadas no passado (e ainda atualmente) e que o cidadão eleitor não é tão manipulável pelas técnicas de propaganda política quanto parece ser presa fácil (e não o é necessariamente) das de publicidade comercial.
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Ao menos nas sociedades complexas contemporâneas, não há eleição pura e perfeita, livre de influências espúrias. Como argumenta Otavio Frias Filho: 'Qualquer pessoa informada sabe que o eleitorado só decide nominalmente na democracia, aqui ou onde for. Na realidade, e nem poderia ser diferente, o sistema político oferece ao eleitor um cardápio pronto. Seu direito de opção é a seguir manietado por influências poderosas como o peso da máquina e sobretudo o poder do dinheiro ilícito'.3 No Brasil, a apuração com o bico-de-pena, o 'eleitor-fósforo', o voto de cabresto, o curral eleitoral, o votante-fantasma provavelmente tiveram (e práticas comparáveis talvez ainda tenham) papel mais preponderante do que as atuais pesquisas de intenção de voto, programas e anúncios de rádio e TV e outdoors de campanha. Nos EUA, modelo --por merecimento indiscutível - de sociedade com sistema de democracia representativa, não é preciso buscar pleitos longe no passado (basta examinar o de 2000, que pôs George W. Bush na Casa Branca)4 para descobrir situações em que a legitimidade das eleições mais importantes do país - e do mundo - é colocada em dúvida sem grande esforço.
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Se não pode tanto quanto se crê, quanto pode o marketing político? O marketing, segundo o psicólogo Curtis P. Haugtvedt, da Ohio State University, é um conjunto de esforços concebidos para 'criar, manter ou aumentar sentimentos e comportamentos positivos em relação a alguma pessoa, assunto ou objeto'.5 O mesmo autor, que trata do marketing comercial, procura demonstrar a complexidade do processo psicossocial que leva o consumidor a escolher um dentre muitos produtos de um mesmo gênero. Além de milhares de logotipos, faixas, outdoors, peças publicitárias em rádio, TV e cinema, malas diretas, telemarketing, merchandising em obras de ficção no cinema e na TV, há uma infinidade de motivações e valores individuais, criados e nutridos nos grupos sociais primários, e influências interpessoais cujo peso relativo na decisão final do comprador é quase impossível estimar com mínima precisão. Grupos de pessoas, ou mesmo cada uma delas isoladamente, podem buscar os mais diversos atributos num só produto ou preferi-lo por diversas razões, às vezes bastante racionais, outras vezes absolutamente aleatórias.
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Um dos muitos lugares-comuns empregados para atacar o marketing político é a suposição de que ele transforma o candidato em sabonete. Essa acusação subestima até o mais baixo ponto a capacidade de raciocinar do cidadão. Apenas uma pessoa imbecilizada escolheria um governante com os mesmos critérios com que elege a marca de seu sabonete.
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Os eleitores brasileiros já deram mostras suficientes de que não se deixam iludir com facilidade, e a ciência política nacional já produziu literatura suficiente para demonstrar que o comportamento eleitoral dos brasileiros por região, estrato social e outras variáveis demográficas, econômicas, ideológicas, geográficas e sociais é consistente e, até certo ponto, previsível, garantidas as 'condições normais de temperatura e pressão'.
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Para não gastar muito espaço com exemplos, basta lembrar as duas vitórias de Leonel Brizola para o governo do Rio de Janeiro (em 1982 e 1990), apesar do empenho obstinado de quase todos os meios de comunicação de massa importantes naquele estado e do pequeno tempo de que seu partido dispunha no horário eleitoral gratuito comparado com o de seus principais adversários (sem contar o estilo retórico antiquado, quase arcaico em termos de marketing político, do candidato em sua campanha, inclusive a televisiva).
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A eleição de Fernando Collor de Mello para a Presidência da República em 1989 é com freqüência citada como prova de que um candidato vazio de substância e de representatividade social pode ser construído como puro produto de marketing e acabar eleito para o mais alto cargo da nação. Como este autor procurou demonstrar em outro trabalho,6 não foi isso o que realmente aconteceu.
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Collor, de fato, valeu-se dos dispositivos legais que garantem tempo na TV e rádio a qualquer legenda partidária (mesmo as ostensivamente criadas para serem alugadas) --pretensamente democráticos, mas de fato demagógicos e deletérios aos interesses nacionais--, para aparecer em três programas eleitorais gratuitos destinados a partidos de conveniência dos quais se apropriara (PRN, PTR e PSC). Entre 30 de março e 18 de maio de 1989, ele apareceu na TV em apresentações indiscutivelmente bem concebidas e realizadas, e conseguiu pular nas pesquisas de intenção de voto de virtual zero para 40%.
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Não há dúvida de que esses produtos de marketing contribuíram grandemente para a eventual vitória de Collor. No entanto, se as propostas do então governador de Alagoas não tivessem correspondido às expectativas do grosso do eleitorado, ele poderia ter aparecido dezenas de vezes mais na TV sem que isso resultasse em ganho eleitoral.
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O personagem --desconhecido, carismático e com discurso anti-establishment-- ganhou súbita notoriedade. E, como a literatura sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa comprova há pelo menos cinco décadas, quanto mais um assunto é ignorado pelo público, maior a possibilidade de as pessoas, num primeiro momento, se deixarem convencer por aquilo que os meios dizem a seu respeito.
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Depois que Collor se tornou mais conhecido, o efeito positivo de sua imagem como alguém novo diminuiu; seu índice nas pesquisas de intenção de voto despencou. A partir de 15 de setembro, quando os 22 candidatos presidenciais passaram a aparecer no rádio e na TV com tempo proporcional à bancada de seus partidos no Congresso, as intenções de voto em Collor caíram do patamar anterior para níveis compatíveis com sua expressão política.
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Se tempo de exposição na TV e no rádio ganhasse eleição, Ulysses Guimarães (PMDB), com mais que o dobro de minutos diários de mídia eletrônica que Collor e Lula juntos, deveria ter acabado pelo menos como um dos finalistas no segundo turno. Supostamente ao lado de Aureliano Chaves (PFL), que tinha mais de 60% mais que o tempo colocado à disposição de Collor e Lula. A campanha de marketing de Ulysses gastou 13 vezes mais em recursos que a de Collor e 100 vezes mais que a de Lula. No entanto, Ulysses terminou em sétimo lugar, com 4,4% dos votos, e Aureliano em nono, com 0,83%. Para a fase final, foram os candidatos do PT (16%) e do PRN (28,5%).
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Seu êxito se deveu menos ao marketing e mais ao conteúdo da mensagem que eles, sincera ou hipocritamente, passavam: de oposição ao estado de coisas vigente, de novidade, de reforma social. O que definiu a vitória de Collor pode ter sido o preconceito de classe, o fraco desempenho de Lula no segundo debate entre os dois (talvez causado pelo abalo psicológico que a revelação do caso Lurian --sua filha de uma relação fora do casamento-- lhe causara), o conservadorismo e a despolitização da maioria do eleitorado, a identificação entre muitos eleitores com a bandeira anticorrupção tão brandida pelo candidato do PRN, sua simples e ostensiva demagogia, a 'onda conservadora' pelo mundo afora (comandada por Thatcher e Reagan). Ou todos esses fatores (e ainda outros) juntos. Inclusive a eficiente campanha de marketing político que lhe prepararam seus assessores.
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Com certeza, no entanto, não foi a novela "Que Rei Sou Eu?", que muitos críticos adeptos de teorias conspiratórias enxergaram como apoio sub-reptício à sua campanha. Nem a simpatia pela candidatura Collor de vários veículos de comunicação de massa. Nem a qualidade telegênica dos seus programas eleitorais. O mundo da política é muito mais complexo do que a teoria segundo a qual marketing é uma atividade mágica que decide eleições. Este é o cerne da tese que se vai tentar comprovar nas próximas páginas.
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1. Elio Gaspari, 'Nizan Guanaes Para Presidente'. Folha de S.Paulo, 19/12/2001.2. Apud Carolina Juliano e Cristina R. Durán, 'As Cédulas da Eleição Eletrônica'. Valor Econômico, 25/1/2002.3. Otavio Frias Filho, 'Enquanto É Tempo'. Folha de S.Paulo, 14/3/2002.4. A eleição presidencial de 2000 foi a mais conturbada da história dos EUA. Seu resultado só foi definido 36 dias depois do pleito e como resultado de intensa luta judicial, resolvida pela Suprema Corte do país (cinco votos a quatro), a respeito da validade de algumas dezenas de milhares de cédulas eleitorais no estado da Flórida. Os dois candidatos - George W. Bush e Al Gore - trocaram acusações de fraude em diversos distritos eleitorais da Flórida e em outros estados.5. Curtis P. Haugtvedt, 'What Do People Really Want?'. Future, 1 (2001); p. 17-8. Todas as traduções citadas no texto são de minha autoria, exceto quando indicado.6. Carlos Eduardo Lins da Silva. 'The Brazilian Case: Manipulation by the Media?'. Em: Thomas E. Skidmore (ed.), Television, Politics and the Transition to Democracy in Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993; p. 138-44.
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Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva
Editora: PublifolhaPáginas: 96
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou no site da Publifolha
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McCain distribui aparelho para encher pneu com nome de Obama

Em meio a uma intensa campanha de ataques e contra-ataques, a equipe do candidato republicano John McCain surpreendeu o público de seu comício em Ohio com a distribuição de um brinde inusitado: um aparelho para encher pneus com a inscrição "Plano de energia de Obama".
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O presente foi uma provocação dos republicanos à sugestão do democrata Barack Obama de que os eleitores deveriam andar com os pneus bem cheios para reduzir o gasto de combustível.
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Deixando de lado a exploração de reservas de petróleo, energia nuclear e preço dos combustíveis, McCain e Obama dedicaram-se à pressão dos pneus.
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Em um evento na noite desta terça-feira, McCain disse não se opor à sugestão de Obama: "E posso mencionar que o senador Obama disse há uns dias que nós deveríamos inflar nossos pneus e eu não discordo".
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"A Associação Americana de Automóveis recomenda fortemente que façamos isso, mas eu também não penso que este seja um meio de sermos independentes em energia", disse o senador republicano.
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Com um tom irônico, McCain aproveitou sua visita a uma corrida de motocicletas em Sturgis, Dakota do Sul. "Meu oponente não quer a exploração [das reservas petrolíferas costeiras], ele não quer energia nuclear, ele quer que você infle seus pneus".
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Nesta quarta-feira, em Ohio, McCain voltou ao tema e criticou Obama por não apoiar inteiramente a energia nuclear como parte de uma ampla solução energética. "Ele está fora da realidade", afirmou.
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Obama preferiu não tocar diretamente no assunto, mas também não poupou críticas ao rival republicano. "Será interessante ver um debate entre John McCain e John McCain", disse, referindo-se às mudanças de postura do senador por Arizona devido à corrida presidencial.
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Com a campanha se aproximando das convenções nacionais, quando as candidaturas serão oficializadas e muito provavelmente os nomes dos vice-presidentes serão anunciados, Obama e McCain dedicam quase tanto tempo aos ataques quanto às propostas políticas.
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