quinta-feira, 17 de julho de 2008

Política e Sumô

" Não sou maluco por política. Acontece que a política é um dos dois esportes de arena para o qual eu tenho tempo. O outro é o sumo. Esporte maravilhoso. Cerimônia intrincada e bela. Brutal, brilhante e barulhento. O ritual mais antigo e refinado. Então, com o estalar de dedos, a aterradora trombada de cabeça, a luta para segurar o outro, segundos duros de uma luta que é igualmente dividida entre inteligência, força e montanhas de gordura... e então acabou. Um dos dois acaba pisando fora do círculo, ou alguma outra forma de expulsão que se resume a tapas que caem como raios, ou o gordo maldito simplesmente desaba no chão. O sumo é belo e cruelmente breve, como as borboletas.
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Na minha cabeça, o sumô andou mudando nos últimos anos. A habilidade está desaparecendo. Os lutadores de sumo de maior sucesso são aqueles que possuem um peso assustadoramente grande e que se contentam em tacar o outro cara para fora sem graciosidade ou inteligência. Estou inclinado a inferir em uma conexão, embora etérea e metafórica, entre o sumo contemporâneo e a política do pós-guerra. Eu sei... mas me perturba, mesmo assim.
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O esquisito é que, obviamente, eu acho que amo a política moderna mais que eu seria capaz de amar seus ancestrais mais educados. Poder ouvir os debates públicos de Abraham Lincoln sobre determinada política durante horas seria maravilhoso, tenho certeza. Mas não tão divertido. Ouvir um Carville, um Stephanopoulos ou aquele contador satanista do Mandelson tentar reduzir uma plataforma política complexa numa música de ciranda é muito mais divertido, e mais educativo. A habilidade se foi, entende? E agora tudo o que sobrou é JOGUE O OUTRO CARA PARA FORA DO RINGUE O MAIS DEPRESSA POSSÍVEL.
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A política é o maior esporte de arena dos anos noventa, e tenho certeza de que se tornará o maior esporte dos zero-zero, ou seja lá como formos chamar a próxima década. Enquanto escrevo isso aqui, toda aquela coisa de Lewinski acabou de explodir e a corte egípcia acabou de reabrir um caso que indicava o Primeiro-Ministro Britânico, Tony Blair, como um co-conspirador no assassinato daquela desgraçada da Diana. Loucura. Blair mal consegue controlar um governo – mal consegue tomar banho sozinho – muito menos uma conspiração assassina. Como Clinton, a sua habilidade especial é se eleger, e nada mais. Clinton nunca parece tão vívido quanto num discurso, e Blair torna-se quase fluorescente quando exposto ao amor de uma audiência. (Existe uma foto de Blair na muito aplaudida conclusão de uma conferência do partido dos trabalhadores, com sua esposa Cherie; enquanto ambos estão no palco recebendo os aplausos, Cherie está sorrindo para Tony, um sorriso conseguimos/vamos vencer/ eu te amo – mas Tony tinha olhos apenas para a audiência, olhos brilhando enquanto ele se embriaga naquele amor, aparentemente sem nem mesmo notar a presença de sua esposa). Daqui, Lewinski parece apropriada, apesar de óbvia falta de bom-gosto, autocontrole e sinceridade de Clinton – Linda Tripp era uma criatura de Nixon, uma suposta infiltradora da campanha de McGovern em 1972 contra o Velho Bastardo. Lewinski está por toda a parte nos jornais e TVs. Blair e o Egito ficaram relegados à última página. Infelizmente, os jornais nunca chegam a cobrir o sumô.
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E creio que isso é o que eu considero interessante, eu acho.
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A justaposição entre a Grande História e os Pequenos Detalhes. Ambas estão mergulhadas no absurdo, ainda mais quando colocadas lado a lado. Os pequenos detalhes dão relevância à mega-notícias. Assim? George McGovern perde feio de Nixon em 1972. Pequeno Detalhe: o obscuro político Tom Eagleton passou por terapias de eletro choque pelo menos em uma ocasião durante os nãos sessenta, dizem que por causa da depressão. Conexão: McGovern nomeou Eagleton seu candidato a Vice-Presidência em 72 sem fazer uma pesquisa extensiva sobre seu passado. E quando o pequeno detalhe é colocado lado a lado com a grande história – sem querer, pelo pessoal dos jornais, que mostraram isso para o pessoal do McGovern, sem sombra de dúvida com grandes sorrisos amarelos estampados na cara. Eagleton passou a maior parte dos anos sessenta entrando e saindo de hospitais psiquiátricos. Apenas para registro público, não como um ataque. Oops.
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A campanha de 1972 foi realmente suja – era o ano de Watergate, não se esqueça – com valor de entretenimento sem paralelos para alguém como eu. Eu não era velho o suficiente para vê-la, mas a história me dá o benefício de vê-la por todos os ângulos, com tempo o suficiente para olhar mais de perto. Não é tão divertido quanto Clint/Bush, mas quer saber? Por acaso alguém se lembra de quão completamente histérico Bush estava durante a campanha, como a incoerência e a tagarelice alcançaram sua densidade terminal no dia em que ele disse para sua platéia que se eles votassem em Clinton “estaremos cobertos de corujas até as orelhas e todos os Americanos estarão desempregados“? Ali estava um homem que acreditava que deveria ser eleito simplesmente porque o país precisava ser guiado por Alguém Como Ele. Política, como esporte de arena; vimos toda sua arrogância quando ele olhou para o relógio durante um debate presidencial transmitido ao vivo pela TV. E ali que ele se ferrou, bem ali. E de novo, Clinton; afastando-se do púlpito para trabalhar a audiência, gentil, aconchegante, brilhando, o cameraman provavelmente pensando que era Natal enquanto fazia closes com ângulo de talk-show dele falando com as pessoas...
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Foi horrivelmente assistível, especialmente porque, em meu estado sensibilizado durante aquela noite, eu continuava a ver Nixon atrás de Clinton. Ambos brilhavam com aquela necessidade flamejante de Ser Eleito. O que Bush não tinha. Bush sentia que Deveria ser eleito, mas ele não Necessitava, não contorcia sua mente e seu corpo e tudo o mais que estivesse em volta dele para o objetivo de ser eleito e nada mais.
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Em algum lugar neste escritório de merda eu tenho uma cópia de um romance muito engraçado de Philip Roth escrito, eu acho, no começo dos anos setenta, chamado Trick’s Gang. Ele conclui com o Presidente Trick E. Dixon fazendo um discurso de candidatura no Inferno. O filme de Oliver Stone foi muito gentil. O final de Trick’s Gang lhe diz tudo o que você precisa saber sobre Nixon.
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O presidente da minha América está concorrendo para um terceiro mandato. Acho que isso diz alguma coisa sobre sua Necessidade. "
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Warren Ellis

Nova Inglaterra

Fevereiro de 1998

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TRANSMETROPOLITAN: As aventuras de Spider Jerusalém - O ano do bastardo parte 1 de 6, e parte 2 de 6.

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