Vasculhando pelo tema política, tentando achar o que ninguém achou, ler o que ninguém leu, no limiar do consciente, passando pelo subconsciente... melhor parar, vai! Isso é impossível, o Cyber Espaço é infinito, sendo comparado até com a Física Quântica por alguns.
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Voltando ao assunto de consciente e subconsciente, achará as bases tanto para psicologia quanto para psiquiatria. Atrelado a isso, nada melhor para a temática achar uma Revista de Psicologia Política, periódico semestral da Associação Brasileira de Psicologia Política (ABPP). Nesta, um destaque especial para um de seus artigos, muito interessante:
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Este artigo, elaborado por Marcele e Rosane, compara vida e política, mostrando como as duas se relacionam, demostrando serem fundamentais para a sociedade contemporânea.
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"(...)Vida e política são dois temas protagonistas da paisagem contemporânea, não se pode negar. Políticas de dominação de vida, políticas de liberação de vida, políticas preocupadas com a vida... É uma proliferação discursiva em torno da vida e de suas políticas protetoras que vai desde pautas em plenários internacionais a uma inquietação individual(...)".
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"(...)Trata-se de pensar com qual tipo de vida a psicologia social está lidando e que vida está produzindo: se está simplesmente buscando enquadrar as pessoas em certas formatações ideais, transcendentes, incentivando-as a buscar uma vida padrão, ou se está trabalhando com outro conceito de vida, menos evidente, porém passível de abertura a inúmeras outras possibilidades(...)".
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"(...)A psicologia social passa a defender valores universalmente aceitos e inquestionáveis que dizem que a vida está sempre em primeiro lugar. Ela deixa, com isso, de questionar sobre os valores que estariam expressando estas formas de vida, deixando, assim, de problematizá-la. Contudo, quando a psicologia social se encoraja e problematiza a vida, tirando-a dessa evidência natural, passa também a dizer de sua posição política na atualidade. Isso porque problematizar tanto a vida como os modos de produção subjetiva significa não só desmanchar essências naturalizadas mas, também, recusar modos de vida ou de subjetividades que incorporam um assujeitamento e um empobrecimento da experiência(...)".
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"(...)O conceito de poder é definido pela multiplicidade de relações de forças concernentes ao domínio onde tais forças se exercem (Foucault, 1988:88), o que mostra o quanto o poder é algo presente de maneira emaranhada e difusa em todo o campo social, sendo este definido precisamente pelas forças que contém, pelos jogos, movimentos e direções das mesmas. Aponta-se, assim, à estreita relação existente entre o poder e o próprio campo social, não de uma maneira direta, como se um determinasse o outro, mas de modo que o poder não deixa de acionar forças que, muitas vezes, fazem com que o campo social se mobilize(...)".
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"(...)Foucault teoriza sobre as condições através das quais a vida veio a ser capturada por essa dimensão política, relacionando-as com uma tecnologia específica de poder que tem como foco principal a vida, tecnologia nomeada “biopoder” (Foucault, 1988:132). Deste modo, podemos dizer que é a partir de certas transformações nas tecnologias de poder que a vida pôde emergir como elemento da política e da história, movimento que diz respeito ao nascimento do biopoder. Tais modificações no âmbito do poder podem ser lidas também como a alteração de um ‘poder de fazer morrer e deixar viver’ para um ‘poder de fazer viver e deixar morrer’ (Foucault, 1999), sendo que este último – inteiramente vinculado ao biopoder – ainda nos afeta e nos incita a uma específica produção discursiva com relação à vida(...)".
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"(...)Até final do século XVII, início do XVIII, imperou uma forma de poder no qual o soberano detinha como grande privilégio o direito de vida e de morte, podendo matar ou expor seus súditos à morte nas situações em que sua própria defesa estivesse ameaçada. Trata-se de um poder que só é exercido sobre a vida dos subordinados enquanto o soberano é capaz de matá-los. É um poder que se manifesta como subtração, pois está relacionado a um direito de captação e de apropriação da vida dos súditos para extingui-la ou arriscá-la em guerras. Fala-se, então, de um poder negativo sobre a vida, aquele denominado “poder de fazer morrer ou deixar viver” (Foucault, 1999:287)(...)".
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"(...)Frente ao crescimento industrial e demográfico advindos com a aurora do capitalismo, este poder, que tinha por modelo a soberania, se torna ineficaz para administrar as transformações econômicas e políticas que aquelas mudanças implicavam na sociedade. Ocorre, deste modo, uma profunda transformação nos mecanismos de poder, que passa a se manifestar por meio de um poder positivo sobre a vida, não tendo mais a função de subtração de forças, mas a de produção e otimização das mesmas. Tal poder, totalmente atrelado ao capitalismo, sustentando-o e ao mesmo tempo sendo sustentado por ele, foi chamado de “poder de fazer viver e deixar morrer” (Foucault, 1999:294)(...)".
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"(...)No entanto, não se trata de uma substituição repentina e completa dos antigos diagramas de poder, pois que estes não se sucedem como estruturas fixas e totalizantes, mas se remodelam a partir de relações de forças locais e variáveis o suficiente para transformar as paisagens de poder(...)".
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"(...)Passam a se exercer de modo a invadir e abarcar duas dimensões vitais: o organismo com seus mecanismos individuais e a biologia com seus processos globais. Trata-se de duas tecnologias do biopoder que não coincidem nem em função, nem em mecanismos, mas que se complementam mutuamente, o que faz do biopoder uma grande tecnologia de dupla face (Foucault, 1988:131): uma voltada ao corpo-máquina, outra ao corpo-espécie ou à vida em geral da população (Foucault, 1988:131)(...)".
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"(...)Centrados no corpo-máquina, surgem os procedimentos disciplinares de poder (Foucault, 1999:288), destinados ao adestramento, classificação, vigilância e treinamento dos corpos, com o propósito mesmo de ampliar sua docilidade, suas aptidões, sua força e utilidade. A multiplicidade dos corpos deveria ser educada e controlada, utilizada e canalizada para os fins determinados pelo capitalismo(...)".
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"(...)A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício (Foucault, 1987:143)(...)".
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"(...)uma primeira aproximação desta relação entre vida e política com o campo da Psicologia que será estruturado a partir do final do século XIX: foi justamente esta “fabricação de indivíduos” que possibilitou a objetivação desse elemento individual do qual a Psicologia moderna vai se ocupar. No caso da Psicologia Social é interessante observar que esta objetivação ocupou-se inicialmente do estudo das multidões (Le Bon, 1895/1963) que passavam a ser entendidas como um mero agrupamento de indivíduos que deveria ser adestrado conforme as regras do poder vigente(...)".
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"(...)A nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem a corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc(...)” (Foucault, 1999:289).
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"(...)Por meio deste apanhado teórico das análises foucaultianas, vimos que o surgimento das técnicas disciplinares e reguladoras colocou em exercício um novo diagrama de poder que passa a intervir na própria vida. Assim, é com as estratégias de um biopoder – a partir do século XVII em suas duas facetas complementares – que a vida marca sua entrada na história. Trata-se do momento em que o problema da vida começa a problematizar-se no campo do pensamento político, da análise do poder político (Foucault, 1999:288)(...)".
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"(...)Trata-se da entrada dos fenômenos próprios à vida da espécie humana na ordem do saber e do poder – no campo das técnicas políticas (Foucault, 1988:133), isto é, um funcionamento de poder regido por um fazer viver começou a se fazer presente quando a vida biológica dos indivíduos e das populações tornou-se visível e problematizável. Tal funcionamento não deixou de pôr em movimento estratégias que buscavam controlar a vida, com o propósito de apropriar-se dela completamente(...)".
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"(...)Não é que a vida tenha sido exaustivamente integrada em técnicas que a dominem e gerem; ela lhes escapa continuamente (Foucault, 1988:134)(...)".
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"(...)E quando, como mostrou Foucault, o Estado, a partir do século XVIII, começa a incluir entre suas tarefas essenciais o cuidado da vida da população, e a política se transforma, assim, em biopolítica, é antes de tudo através da progressiva generalização e redefinição do conceito de vida vegetativa ou orgânica (que coincide agora com o patrimônio biológico da nação) que ele realizará sua nova vocação (Agamben, 2000:182)(...)".
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"(...)A própria noção de vida deixa de ser definida apenas a partir dos processos biológicos que afetam a população. Vida agora inclui a sinergia coletiva, a cooperação social e subjetiva no contexto de produção material e imaterial contemporânea, o intelecto geral (Pélbart, 2003:83). Foi o conceito que Agamben, retomando da Grécia Antiga, nomeou Bios (Agamben, 2000), que implica uma vida qualificada, uma maneira de viver exclusiva de um grupo, totalmente singular(...)".
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"(...)A vida, enquanto um fluir de intensidades que se desdobram em sempre novas intensidades, é potência que quer sempre abraçar cada vez mais potência. Isto significa que a vida é pura potencialidade, eterna força produtiva, capacidade criadora, força em contínua re-invenção(...)".
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"(...)Uma vida..., como traz Deleuze em seu último escrito (Deleuze, 2002), é devir, diferenças livres, contradições em convivência. U ma vida é o habitat de forças movediças que se agitam velozmente em todas as direções, é a morada de movimentos e potências, o lugar de relações, de disputa entre vetores, de linhas de fuga e dinâmica mutacional. Ali os elementos existentes são forças, fluxos advindos do caos, do puro acaso, é energia, matéria intensa não formada. Ali habitam singularidades livres, anônimas, nômades, impessoais e pré-individuais que dão à vida toda a potência a partir da qual consegue produzir e dar consistências às mais diversas formas de existência. Isto é, a vida ao ser constituída por aqueles elementos, adquire toda a potencialidade que a faz criar sempre e o que a vida inventa são modos de existências, são formas de vida, maneiras de se colocar diante do mundo(...)".
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"(...)Podemos dizer que o que une vida e resistência é a potencialidade, a multiplicidade, o devir sempre inventivo. Dessa inversão apontada por Deleuze, colocando a resistência e a vida como primeiras num campo social, agora se pode concluir que as resistências não surgem contra um poder, elas não são simples reações, mas aquilo a que o poder abomina e não cansa de tentar capturar, fisgar, formatar, esquadrinhar, rotular, segmentarizar... Se as resistências estão contra algo, é só num segundo momento, quando o poder surge se voltando contra elas: o poder é, portanto, eminente e necessariamente reativo(...)".
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"(...)A vida como potência de metamorfose que escapa à política que a quer dominar configura propriamente, uma política(...)".
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"(...)Dizem Deleuze e Guattari (1996:90) que tudo é política, seja macro, seja micro, mas trata-se sempre de uma questão política. Insistem, no mesmo texto, que numa sociedade, os fluxos e as linhas de fuga têm sempre primazia, as reterritorializações, como operações próprias do poder, estão sempre em suas pegadas, tentando estancar as vertentes desta matéria da vida, dos devires e das singularidades advindas do caos(...)".
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"(...)Há, portanto, uma política calcada nos elementos já formados, nas monumentalidades visíveis ou audíveis socialmente, política que parte de unidades ou territórios totalizantes e transcendentes e a elas pretendem chegar, pois difícil perceber as micro revoluções e diferenciações que latejam nos interstícios dessa rigidez. Aliás, são elas que mais a atormentam. Falamos aqui das macropolíticas, as políticas de uma modelização, de uma produção de subjetividade completamente alienada (Guattari & Rolnik, 2000:129). As macropolíticas atuam no sentido do assentamento de linhas de segmentarização, que, ao contrário das linhas de fuga, dispõem de processos que recuperam as criações e diferenças que irrompem no social, decifrando-os, segmentarizando-os, de forma a transformá-los em normas ou modelos subjetivos(...)".
"(...)Por outro lado, existe uma outra política, bastante sensível àquelas palpitações, é a política dos fluxos e das intensidades, a micropolítica. Esta política, enquanto variação e diferenciação contínua, uma vez que está atrelada aos movimentos imanentes das singularidades e da própria potencialidade. Toda problemática micropolítica consistiria exatamente em tentar agenciar os processos de singularidade no próprio nível de onde eles emergem. E isso para frustrar sua recuperação pela produção de subjetividade capitalística (Guattari & Rolnik, 2000:130)(...)".
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"(...)O perigo em política está na desconsideração da outra possibilidade, em só conseguir observar a macropolítica ou somente a micropolítica, pois nenhuma existe sem a outra(...)".
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"(...)É a prudência que parece ser sublinhada na política pensada por Deleuze e Guattari, uma vez que não está disposta a excluir nem a macro, nem a micropolítica. Ela não trata de formatar, de esquadrinhar, de estancar nem de dominar, mas de tentar responder: quais linhas estão em jogo em certa composição de forças? Quais são as linhas de fuga, de liberação de vida e quais são as linhas de segmentação que a aprisionam? O que permite criar e o que faz alienar? Quais os perigos que cada uma delas coloca? É o caso de ver, num determinado campo, os modos de produção de subjetividade, se estão se dando no sentido da alienação e dominação ou se, ao contrário, estão ativando novas produções, criando modos que não estejam submetidos a modelos transcendentes de existência(...)".
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"(...)Uma preocupação é crucial: aquela que diz respeito à vida. Isto justifica o fato de haver, sim, certa tendência, pois importa potencializar as linhas de fuga, uma vez que é através delas que a vida pulsa livremente. Conseqüentemente, importa distanciar-se das organizações e estratificações, porque, segundo vimos acima, ali a vida está aprisionada, despotencializada, sem conseguir manifestar diferenciações. Como se pode ver, ativar um lado é necessário, o micropolítico, já que ali a vida tem mais liberdade e potência para se diferenciar e criar sempre. No entanto, ressaltamos que, se é a vida que importa à política, é a vida enquanto aquele segundo conceito que vimos anteriormente: vida como potência, como imanência, que não se cansa de inventar novos modos de existência e não, obviamente, aquela vida nua, tomada como sobrevivência e mero fato biológico. Podemos ver, com isso, a nova imbricação entre a política e a vida: esta agora se mostra como aquilo a que a política deve priorizar e potencializar, não mais aquilo a que a política capturava e estratificava enquanto biopolítica(...)".
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"(...)Trata-se, deste modo, de fazer dessa invenção permanente uma política que seja também ética. Assim, se a vida é potência de metamorfose e se nossas políticas conhecidas por biopolíticas vêm sempre tentando estancar a potencialidade dessa vida, então se trata de fazer disso mesmo uma política para que, com a força que ela tem de criar novas formas, faça com que possamos resistir à submissão a modelos transcendentes de vida(...)".
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"(...)O papel do intelectual não é mais o de se colocar um pouco na frente ou um pouco de lado para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da verdade, da consciência, do discurso (Foucault, 1979:71)(...)".
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"(...)A psicologia social funcionaria como uma máquina de guerra no sentido de inventar formas de resistência aos modos de assujeitamento da experiência subjetiva contemporânea através de uma constante desestabilização dos equilíbrios estabelecidos (Silva, 2005:126). Assim, sendo o campo social aquele que a psicologia social tem para pesquisar e operar, é importante considerá-lo não apenas produzido por relações de poder, como vimos na primeira cena, mas também por relações menos visíveis que põem em jogo a própria vida, com todas as suas conexões com os fluxos de intensidade que não deixam de se distanciar do poder ao criar sempre formas de vida inteiramente singulares(...)".
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"(...)É assim que a psicologia e a política se configuram em territórios que se cruzam, se conectam e se atravessam continuamente, deixando de ser excludentes, afinal, cada uma destas regiões do pensamento convoca a outra quando estão implicadas numa posição de combate em favor da vida(...)".
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Fonte/Artigo Completo: Revista de Psicologia Política


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